Duas amigas

quarta-feira, 26 de agosto de 2009
(Duas amigas em cena. Jovens. Estão em casa de uma delas, no quarto. Conversam.)
Marina (Vestida toda de preto. Fumando e andando de um lado para outro, nervosa) - Não aguento mais! Estou cansada amiga! Farta desta vida de merda!
Julia (Com vestes normais, roupas claras. Bem penteada e com pose de garota que pode ter tudo o que quiser sem esforço. Calma mas com certa angústia, ela conversa com Marina. Visualmente, são o oposto uma da outra.) – Eu sei Marina e você desde que nasceu... Meu Deus do céu! O que vai adiantar você ficar nesse estado?
Marina – Devia estar acostumada!
Julia – E estou!
Marina – Fico assim todos os dias! Não consigo não pensar, é inevitável! Sinto uma raiva!
Julia – Isso ainda vai acabar com você!
Marina – Eles vão acabar comigo! Eles!
Julia – Seus pais nunca quiseram isso, amiga!
Marina – Pior! Quiseram que eu não tivesse vida, que fosse exatos cinquenta por cento de cada um deles!
Julia – Não sei mais o que dizer amiga!
Marina – Diga que me entende! Que está do meu lado!
(Julia permanece calada)
Marina (Num ataque) – Porra Julia! Todo mundo está contra mim! Só porque não amo os meus pais, que droga! Preciso saber que ao menos minha melhor amiga está do meu lado!
Julia – Você já sabe. Só acho que não adianta remoer...
Marina – Eu sei! Mas preciso botar pra fora, entende? Já que não adianta esfregar na cara deles, já tentei!
Julia – Seus pais são pessoas simples, Marina!
Marina – Esse é o problema! (Pausa) Eu queria ser como você! (Fita a amiga fascinada)Ter uma vida como a sua Julia, no luxo!
Julia – Não sou rica, você sabe disso!
Marina – Mas falta pouco para isso! Mas eu, Julia! O que que eu tenho?
Julia – Tem o amor deles!
Marina (Magoada) – Você deve sentir esse amor, por que eu não sinto!
Julia – Eles te amam, tenho certeza! Está estampado no rosto da sua mãe!
Marina (Revoltada) – Não citou meu pai! (Pausa) Viu só? Se me amassem não me teriam feito nascer!
Julia – Isso de novo?
Marina (Dura) – Não adianta, não consigo me conformar! Pobre não deveria ter filho! Para quê, pobre ter filho? É um crime! Pobre não sabe lidar com os filhos, deveriam inventar uma lei que proibisse pobre de aumentar a família que desde o início já é demais!
Julia (Pasma) – Acredita mesmo nisso?
Marina (Convicta) – Claro! Claro Julia! O que eles fazem? Geram uma nova vida por que faz parte do matrimônio ou porque os planos deram errado, têm os filhos “sabendo” como serão: “Vai trabalhar nisso, estudar aquilo, casar com tal idade e me dar netos!” Não é horrível? Nem tenho o direito de ser lésbica!
Julia – Você não é lésbica!
Marina – Sei disso! Você é que não entende a essência da coisa!
Julia – Estou tentando.
Marina – Não tente, consiga! Ponha-se no meu lugar! No fim, eles são uma decepção para nós e nós para eles!
Julia – Não é assim! Quantos pobres não subiram na vida? Não conseguiram vencer? Não...
Marina – No meio da vida! Ou já no fim! Se não, é por que tiveram apoio dos pais! Meus pais nunca me apoiaram em nada! E agora estou aqui! Sem dinheiro, com um trabalho medíocre, trancando meus cursos a cada seis meses... Nem acreditam no meu talento!
Julia – Bailarina! Dizendo essas coisas é quase impossível de acreditar que trata-se de uma artista! E uma ótima artista! Não digo por ser sua amiga!
Marina – Eu sei! Todos sabem! Viu? Meus pais são os únicos a me subestimar! Se tivessem acreditado em mim, eu seria já profissional! Estaria ganhando a vida dançando, amiga! Não seria uma droga de uma garçonete que não faz diferença no mundo! Até os ajudaria!
Julia – Mas você vai chegar lá, tenho certeza.
Marina (Agoniada, impaciente) – Eu também tenho! Daqui a cinco, seis ou sete anos!
Julia (Otimista) – O importante é não desistir!
Marina (Firme) – Não desisto! Quero esfregar na cara deles que consegui!
Julia – Então por que remoer esses pensamentos?
Marina – Eles me vêem, Julia. Não posso evitar. Mesmo conseguindo terei mais um tempo de sonho perdido e isso, eu não vou perdoar!
Julia - Santo de casa não faz milagre, amiga!
Marina – Apenas os pobres sensatos, que tem noção de que seus filhos não são continuação de si, que não tem preconceitos e todos os defeitos da maioria, deveriam ter filhos!
Julia – Não é você quem faz o mundo!
Marina – Outra coisa que eu acho: Sem essa de maior idade! Os pais tem que nos engolir até podermos andar com as próprias pernas!
Julia – Está falando de si própria? Marina... Você já tem dezoito anos!
Marina – Dane-se! Não me impediram de crescer na vida? Já estaria bem longe se tivesse sido diferente!
Julia – Estaria?
Marina (Pela primeira vez demonstrando fragilidade, senta-se na cama) – Não. Se fosse diferente eu até os amaria!
Julia – Você os ama Marina... Você os ama...
Marina (Quase chorando) – Eu não sou assim Julia! Não sou assim! Eles fizeram isso comigo! Se eu os acusar, dirão que sempre fui rebelde, que são inocentes! Eu sou uma boa pessoa! Se disser isso a eles, dirão que é mentira, que nunca fui boa filha e isso significa que não sou o que gostariam, entende? Me sinto como uma criança! Dirão o que você disse: que tenho dezoito anos e tal! Sou pura! Dirão que não sou virgem e minha nossa! Santa ignorância! Eles não entendem nada, Julia! Nada! Eles não merecem o amor de alguém como eu! Não merecem!
Julia (Abraçando a amiga) – Me dá esse cigarro, deixa eu apagar isso! Eu sei... Sei que você é maravilhosa, eu sei...
Marina (Com voz fraca) – Que ódio! Que ódio!
Julia (Terna) – Eu sei... Eu sei...
-------------------------------------------------------------------------------------------------

3 comentários:

Tatty Ramalho disse...

;) Boa cena, Fabitcho! Anda inspirado heim? Beijos

Fábio Freitas disse...

Obrigado linda! Inspiração é tudo de bom né? Beijos! ^^

Aline de Paula disse...

Uau...adultescentes são difíceis, né?
Muito boa a reflexão da eterna briga entre filhos e pais...Legal por ter como opinião contrária a da própria amiga, e não os próprios pais se defendendo.
Beijos

Postar um comentário