ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMOISSN 1981-4321Tema: Sessões Temáticas - Gênero, Sexualidade, Etnia e Geração
QUANDO NASCE UMA ESTRELA? - OS CONCURSOS DE BELEZA GAY COMO LUGAR DE RECONHECIMENTO SOCIAL DO TRAVESTI.
Autor:
CLAUDIA VALENÇA FONTENELE, IRLYS A. F. BARREIRA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Introdução Os travestis apesar de serem classificados como "minorias" sociais, têm conseguido ampliar seu espaço de visibilidade, e cada vez mais, na atualidade: seja através da presença na mídia (programas de televisão, grupos na internet, reportagens sobre cuidados e saúde etc); seja através de movimentos sociais (grupos de apoio, organizações não-governamentais - ongs, a própria parada gay). Os concursos de beleza gay que acontecem todos os anos em Fortaleza são considerados pelos travestis espaços de socialização, aprendizagem e acolhimento de seus pares. Esses concursos de beleza, em suas diversas versões, são importantes espaços de "fechamento" de um processo: o travesti investiu emocionalmente, psiquicamente, socialmente e financeiramente num corpo, numa identidade, num lugar, que agora será apresentada aos seus pares. Estes irão reconhecê-lo como pertencentes ao grupo ou não. A participação em concursos de beleza, a apresentação, compõe um ritual marcante e valorizado entre os travestis. Ainda que a reconstrução do corpo venha a ser feita, a cada nova participação em concursos, todo o percurso é refeito, ressocializado, reafirmado. O presente estudo se propõe uma análise e discussão sobre os concursos de beleza gay, buscando evidenciar a relevância desses concursos como lugar de reconhecimento social do travesti. Os diferentes tipos de concursos de beleza gay que acontecem anualmente, suas diversas modalidades, são espaços importantes não apenas na construção da identidade travesti, mas também lugar onde é possível perceber o reconhecimento social dentro e fora do grupo. A preparação para os concursos, o "amadrinhamento" para estréia na passarela, as disputas internas, o sonho do reconhecimento dos pares, bem como da família, são temas os temas abordados nessa análise. Objetivo Analisar os concursos de beleza gay como lugar de construção do reconhecimento social do travesti. Método O estudo realizado foi do tipo exploratório e descritivo de corte qualitativo. A população de estudo foi formada por travestis que participaram de concursos de beleza gay em Fortaleza. Os dados foram tomados a partir de observações de campo em concursos de beleza gay variados, tais como: Miss Gay Brasil, Miss Gay Ceará, Rainha Gay do Carnaval, Glamour Gay, entre outros. As entrevistas foram abertas pela própria natureza subjetiva das informações, onde as opiniões, atitudes e valores dos travestis ora se confrontavam, ora se coadunavam aos seus comportamentos, expressões não-verbais, pilhérias, chistes, entre outros. As entrevistas foram direcionadas tanto aos candidatos vencedores, quanto aos que estivessem na fase de preparação, prestes a se candidatarem a algum concurso de beleza gay. Houve ainda entrevistas com candidatos que venceram em mais de uma modalidade de concurso, mesmo que em diferentes anos. Além da observação participante, onde foi possível conhecer os espaços de interação social do travesti, bem como presenciar congraçamentos, reiterações de atitudes, pensamentos, opiniões; e das entrevistas, foram colhidos depoimentos registrados em diários de campo através de conversas informais que foram acrescidos à pesquisa. Esse conjunto de técnicas foi importante para tentar compreender o universo do travesti, seu caminho rumo ao reconhecimento social no grupo, o qual contém algumas especificidades. Resultados Os eventos são organizados por travestis que já participaram de concursos de beleza e ganharam algum título. Para participar desses concursos, os travestis iniciantes precisam ter uma "madrinha". Esse "amadrinhamento" é necessário ao début do travesti iniciante e permite a ele acesso as regras, dicas, 'truques', que são confidenciados durante toda a preparação para apresentação. Os "amadrinhamentos" acabam por suscitar pequenas disputas internas, afinal à vitória representará igualmente o êxito da "madrinha" que 'produziu' o travesti iniciante. Portanto, a análise do material empírico, a pesquisa revelou consistência da hipótese de início: constatou-se que a grande maioria dos vencedores dos concursos de beleza gay alcançou um maior reconhecimento social no grupo. Este reconhecimento materializou-se como respeito, acesso a organizações de eventos e concursos, garantia de entrada em espaços gay (certas boates ou casas de shows, grupos na internet), aceitação da família que agora tem uma "celebridade" entre os seus, bem como uma "aceitação velada" da sociedade. O Poeta já disse que "beleza é fundamental" e o travesti leva essa máxima às últimas conseqüências: usa o corpo como lugar de transformações radicais, na busca da beleza singular. E o fundamental nesse processo de busca, para além das particularidades da história de cada travesti, é a questão subjacente da estética relacionada ao reconhecimento social. "Se a Roberta Close fosse uma bichinha feia, magrinha e desinchavida, duvido que ela iria estar desfilando pela televisão ou pelas revistas. Ela é convidada para os programas e anda no meio artístico porque é uma morena belíssima!" (Marta, 36, profissional liberal) A pesquisa detectou o fato de que o corpo construído deve agradar a maioria das pessoas até o momento em que ele atingir um determinado nível, no qual a semelhança com a mulher e alguns leves traços do que era masculino sejam separados por uma linha imaginária tênue. Um corpo demasiado transformado acaba por tomar formas grotescas (um quadril muito largo em relação ao resto do corpo; lábios muito inchados, grandes, por exemplo). A expectativa do reconhecimento social explica por que a maioria dos travestis que participam de concursos de beleza gay não 'exageram' na injeção de hormônios, silicone ou próteses. Assim, o que motiva o travesti é a fama, o glamour, tão propalado por todos eles durante as entrevistas. Por isso, se paga qualquer preço, inclusive o da dor física. "Você já viu uma agulha de injeção de silicone? Só de olhar a agulha, você que está num filme de terror, de tão grossa que ela é. Dói pra cacete, mas vale à pena. É a dor da beleza." (Aline, 22, prostituta 'européia') A motivação subjaz a todas as razões citadas pelos travestis tem um caminho: a passarela, as luzes coloridas e o anúncio do título de Miss. Um título de beleza traz em si o reconhecimento do grupo. Os concursos de beleza são pretextos para que a modelagem do corpo seja exibida, apreciada, premiada. E o travesti, reconhecido, aplaudido. "Quando meu nome foi anunciado como Miss Gay o mundo paralisou para mim naquela hora. Era eu! A estrela era eu! Todos os olhares estavam direcionados somente a mim, ninguém mais! Ninguém sabe o que é isso até passar pela experiência. E as lágrimas nos olhos dão um brilho ainda maior a tudo. É bom demais!" (Rita, 27, prostituta 'européia') Conclusão No cotidiano do travesti, corpo e imaginário se entrelaçam a cada nova consulta ao espelho. Todo travesti idealiza, imagina um corpo para si antes de começar a construí-lo. Ele ingere hormônios, cuida dos cabelos, pêlos, barba, ao mesmo tempo em que economiza cada parcela do dinheiro logrado no dia-a-dia para injeção de silicone, tendo sempre em mente um modelo feminino previamente escolhido. É válido ressaltar que esses modelos pensados estão diretamente relacionados às "demandas de corpo" da sociedade e momentos históricos vividos. A mídia dita o ideal de corpo feminino. Se a atriz Juliana Paes é tida como "referencial" de corpo belo, se representa a "perfeição estética", muito provavelmente será a "musa inspiradora" dos travestis. Há exceções: "Já ouviu falar em museu? Pois é, existe bicha-museu, traveco-museu, que é aquele que vive nos tempos dourados da adolescência da mãe dele. Aí, sabe o que acontece? Quando vai botar silicone, exagera no quadril e fica com um peitinho pequenininho. Não era assim antigamente? A bicha fica com um corpo igual ao da avó, sabe? Em cima é fininha e embaixo é largona... (risos)". (Maria, 35, prostituta 'européia') Assim, os concursos de beleza gay são um pretexto a mais para que a modelagem do corpo seja exibida, apreciada, premiada. Essa premiação, além de garantir o reconhecimento social dentro do grupo, serve como ratificação do sucesso, fruto da construção real de um corpo que antes habitava apenas no plano imaginário, da fantasia. Mesmo após a vitória, a transformação e o incremento corporal não cessam. Sempre falta: algo a ser acrescido, retirado, remarcado, na busca do corpo perfeito. O travesti se reinventa com materiais corporais e simbólicos. É simultaneamente a inversão e afirmação de uma sociedade que o estigmatiza.
(Este texto eu li para a minha pesquisa. Sei lá. Achei que deveria postar!)
Transição
Há 12 anos
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